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14/02/2021

Aceitar o fim deixou os últimos dias mais leves

"Eu estou vivo, né?", dizia o delegado Marcelo Firmino, quando a esposa estava triste, como forma de confortá-la. Após ler seus lábios, uma das únicas partes físicas ainda não afetadas pela doença, Mariana respondia com os olhos lacrimejantes: "sim, você está vivo". Apesar do diálogo recorrente entre eles, aceitar que o último adeus se aproximava diminuiu o peso dos dias e ajudou muito na passagem.

É o que conta Mariana, que acompanhou cada instante da luta de Marcelo Firmino contra a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença do sistema nervoso que afeta as funções físicas e motoras do corpo. A solidariedade, amizade e cumplicidade garantiram dignidade e humanização durante todo o tratamento. Foram pouco mais dois anos desde a descoberta da doença, em novembro de 2018, até sua morte, no último dia 12 de janeiro.

"Após buscar todos os tratamentos possíveis e gastar tudo o que tínhamos, percebemos que talvez esta não fosse a vontade de Deus. Então, procuramos entender o propósito e aceitar a doença". Mariana explica que foi neste momento que iniciaram o tratamento paliativo, período em que se sentiram amados, acolhidos e protegidos.

A família contou com o apoio do médico José Roberto Ortega Júnior, especialista no tratamento de pacientes em estágio terminal e referência no tratamento humanizado ao paciente. "Não é só o medicamento, mas o abraço, um aperto de mão e estar ali para o que precisar", comenta a esposa do delegado. Foram dois anos de renúncia e muito apego em orações. A fé e a esperança na estabilização da ELA governaram a trajetória do casal, que juntos por 10 anos. "Quem cuidou dele até o final fomos eu e nossos filhos. Nunca aceitei a ajuda de cuidadores ou enfermeiros", relata Mariana, que teve como braço direito a cunhada Valéria Firmino.

Jornal da Cidade - Como foi o diagnóstico da doença?

Mariana Firmino - Firmino estava na melhor fase da carreira, aos 51 anos, quando descobriu a doença (ELA), em novembro de 2018. O primeiro sintoma foi a fraqueza nas pernas enquanto fazia atividade física, mas a doença agiu no organismo dele com muita rapidez. Passamos por oito ortopedistas, mas os sintomas progrediram para a fraqueza nos braços. Até que um fisiatra de referência fechou o diagnóstico em Esclerosa Lateral Amiotrófica. Perdemos o chão ao ver que era um caminho sem volta. A média de vida em 85% dos casos é de 2 a 3 anos.

JC - Marcelo agiu de que forma?

Mariana - Ele dizia que nunca ia desistir. Sempre teve muita fé e como Jó, Deus tirou tudo que ele tinha para testar a sua fé. Aceitamos isso como Deus usando da doença para nos aproximar dele. Marcelo só tinha o desejo de ser cuidado e permanecer em casa até o fim, e foi exatamente o que fizemos.

JC - Como a doença progrediu?

Mariana - De janeiro a julho de 2019, ele precisou usar bengala. Em setembro, já estava na cadeira de rodas, com pouca força nos braços. Em maio de 2020 não mexia mais nada do pescoço para baixo. Nos últimos 4 meses de vida, ele só mexia os olhos, e era assim que nos comunicávamos. É algo sobrenatural, pois conseguíamos entender se ele estava com dor, queria mudar a posição ou tinha outra necessidade. A cabeça permaneceu 100% consciente.

JC - Como foi a luta contra a ELA?

Mariana - O primeiro tratamento do Marcelo foi um transplante de células tronco na Tailândia, além de muitos tratamentos alternativos, como ortomolecular e o protocolo Cícero Coimbra, de altas doses de vitamina D. Como eram de alto custo, mas a família dele tinha condições de proporcionar isso, fomos atrás de tudo que era possível pata trazer uma estabilização à doença, pois sabíamos que a cura não existia. Mas em julho de 2020 percebemos que a doença sempre estava um passo à frente. Então, começamos o tratamento paliativo.

JC - E o que isso mudou?

Mariana - Os dias ficaram mais leves, porque percebemos que a gente não tem controle de nada. É o que você faz pela pessoa que ama que mudará sua vida e história. É o que vai determinar o tamanho do seu sofrimento. Foram momentos maravilhosos da minha vida e em que me descobri como ser humano, da força que tenho e das coisas que sou capaz de fazer. Deus usou da dor e do sofrimento para nos aproximar Dele.

Marcelo Firmino foi delegado de polícia por 25 anos. Era referência por sua humildade e forma humanizada no modo de tratar as pessoas. Nascido em Santo André, fez carreira como delegado em Bauru e outras cidades da região, como Gália, Ipaussu e Piratininga. Também advogou no consultório da família, trabalhou em São Paulo, no Departamento Estadual de Homicídio e de Proteção à Pessoa (DHPP), e como diretor da Associação dos Delegados do Estado de São Paulo (ADPESP), onde reivindicou pelos direitos da categoria com garra e determinação. Entrou na faculdade de engenharia mecânica com 17 anos, mas por brincadeira prestou vestibular em direito com a irmã, e passou. Conciliou por dois anos as duas faculdades, até se decidir pela área jurídica, também por influência do pai, que era juiz e seu exemplo de vida. Independente do crime, sua filosofia era agir conforme a lei e não fazer justiça com as próprias mãos, cumprindo seu papel de delegado.



Fonte: JC Net
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