A onda de ataques ao patrimônio público, em Bauru, escancara um problema de ordem cultural agravado pelo momento social. Especialistas ouvidos pelo JC descrevem as duas vertentes desse cenário. De um lado, a ideia culturalmente incutida na mente dos cidadãos de que "o público não me pertence, eu cuido da minha vida" leva à naturalização das transgressões. De outro, o empobrecimento da população em virtude das restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus pode provocar atitudes desesperadas na hora de matar a fome.
É o que avalia o cientista político Bruno Pasquarelli. De acordo com ele, não existe uma variável única para explicar o aumento das ocorrências de furto e vandalismo nos prédios municipais, mas a principal delas corresponde ao crescimento da pobreza. "O último levantamento sobre a fome no Brasil saiu há algumas semanas e apontou que 50% da população enfrenta o problema", acrescenta.
Ainda segundo Pasquarelli, a fome traz consequências individuais e sociais. "Vários estudos sociológicos mostram que a pobreza está diretamente relacionada à criminalidade, porque o desespero leva as pessoas a apresentarem uma tendência maior em criar conflitos", aponta.
O vereador Júnior Rodrigues, que expôs a onda de furtos a prédios públicos na Câmara, também atribui o fenômeno ao empobrecimento da população. "Com a pandemia, muita gente perdeu o emprego e houve uma interrupção do auxílio emergencial por certo tempo, fato que transformou os furtos em uma estratégia desesperada para conseguir colocar comida na mesa", argumenta.
DESRESPEITO
Além desse momento socioeconômico conturbado atual, de acordo com Pasquarelli, os brasileiros, em geral, não costumam respeitar o patrimônio público. Enquanto em alguns lugares mais desenvolvidos vale a ideia de que o bem público é "de todos", no Brasil, muitos acham que ele é "de ninguém".
"Apesar disso, o comportamento tem melhorado, porque nós não vemos com tanta frequência o pessoal jogar lixo no meio da rua, como há 40 anos. Mas, ainda deixa a desejar", complementa.
O cientista político aponta outros fatores, mas que também foram afetados pela pandemia. "As políticas públicas voltadas para a educação, o emprego, a renda e a segurança pública precisam estar articuladas, mas muita coisa ficou prejudicada por conta da pandemia da Covid-19, que desviou todos os esforços para o combate à doença", reforça.
AUSÊNCIA DO ESTADO
O professor e filósofo Fausi dos Santos, por sua vez, também frisa que o impacto da pandemia sobre a renda da população tem influência nos ataques a prédios públicos. "Em tempos de crise, quando o Estado se faz ausente, a população desacredita ainda mais na coisa pública", defende.
Para o especialista, a vulnerabilidade social decorrente da miséria leva a atitudes desesperadas na hora de colocar comida sobre a mesa.
Santos menciona, também, a forma pela qual os brasileiros vêem o patrimônio público. "Kant (Immanuel Kant foi um filósofo prussiano) dizia que os chamados imperativos categóricos, ou melhor, os princípios embutidos em nós ao longo da vida mantêm o ser humano dentro da lei, mas não somos ensinados a respeitar a coisa pública", adianta.
Sem uma educação cívica adequada desde o ensino básico, segundo Fausi dos Santos, abre-se precedente para a aplicação do termo "homem cordial", criado pelo historiador e sociólogo brasileiro Sérgio Buarque de Holanda. O seu significado está ligado à aversão às regras e à hierarquia.
Malavolta Jr.
A depredação do patrimônio público é uma preocupação constante da polícia. A Civil, através do Setor de Investigações Gerais (SIG), realiza ações mensais em ferros-velhos para verificar a procedência dos produtos. A Militar (PM), por sua vez, trabalha em conjunto com a Prefeitura de Bauru para reduzir o número de ocorrências nesse sentido e identificar infratores.
Coordenador do SIG, o delegado Alexandre Protopsaltis frisa que os furtos só acontecem porque alguém compra os objetos subtraídos. "Nos últimos dias, nós recebemos um grande número de ocorrências envolvendo os prédios públicos, principalmente as escolas", acrescenta.
Ainda segundo o delegado, a Polícia Civil executa operações mensais nos ferros-velhos da cidade. "Nós checamos a documentação dos produtos e, se conseguirmos identificar que se trata de algo furtado, indiciamos os proprietários por receptação qualificada, que prevê uma pena de 3 a 8 anos de reclusão", descreve.
Já a PM informa, em nota, que, de maneira geral, até houve uma redução das ocorrências de dano no primeiro trimestre de 2021 em relação ao mesmo período do ano anterior. Os números da corporação, entretanto, envolvem tanto casos de patrimônio público quanto privado.
Para a polícia, "a redução foi possível pelo aumento de viaturas executando o policiamento preventivo". Além disso, a PM revela que sempre que se percebe "a elevação de algum indicador criminal, são desencadeadas operações com o intuito de restabelecer a normalidade naquela localidade".