A falta de UTIs em hospitais de Bauru e região para o tratamento da Covid-19 fez um morador da cidade esperar internação por mais de cinco dias e ser submetido a uma viagem de mais de três horas para conseguir um leito. Marco Aurelio de Oliveira, 49 anos, chegou a ser transferido para o Hospital Estadual de Mirandópolis no último final de semana, mas não resistiu. A família, que precisou ingressar com medida judicial para obter a vaga, acusa o Estado de omissão por não ter fornecido leito próximo e aponta que viagem teria sido fator determinante para a morte. O governo estadual, por sua vez, alega assistência integral e diz que a transferência não causou o óbito (leia mais abaixo).
Marco Aurelio trabalhava vendendo frutas na Ceagesp e sentiu os primeiros sintomas da Covid-19 em 15 de janeiro, data em que também saiu o resultado positivo para a doença. Ele se tratou em casa, mas foi levado para o Posto de Atendimento Covid-19 (PAC), que funciona nas imediações do Pronto-Socorro Central, em 25 de janeiro.
Segundo a família, Marco teria dado entrada no local com 70% de pulmão comprometido e baixa saturação. No dia seguinte (26), foi intubado no próprio corredor da unidade em razão da gravidade do quadro e da falta de leitos. A família diz ainda que ele não teria quaisquer comorbidades.
"A ficha dele ali é um 'filme de terror'. A equipe médica fez o que dava. Durante a espera pela vaga de UTI, ele teve hemorragia interna no intestino e duas paradas cardíacas. E foi submetido a altas doses de medicação sedativa", comenta o advogado da família, Felipe Braga.
Segundo ele, a transferência de Marco foi liberada apenas após a juíza, que deferiu a liminar no dia 27 de janeiro cobrando a internação, indicar no processo que o Estado incorreria ao crime de desobediência, se a medida não fosse acatada até a tarde do dia 29. A magistrada também teria sinalizado o uso de um recurso bloqueado do Estado para internação dele em hospital particular de Bauru.
"A família esperava pela internação na Beneficência Portuguesa, com a verba bloqueada, mas o Estado liberou vaga em Mirandópolis. Diante da gravidade do quadro, não tinha como a família não aceitar", comenta Braga.
TRANSPORTE
O paciente, então, foi transportado de ambulância até Mirandópolis e teria chegado ao hospital apenas na manhã de 30 de janeiro. "Disseram que ele chegou praticamente morto, com saturação de 50 e insuficiências cardíaca e renal", cita o advogado, acrescentando que o comprometimento dessas funções, além do pulmão, pioraram o quadro.
Os profissionais do local, contudo, conseguiram estabilizá-lo, mas, durante a internação, foi cogitada outra transferência para Araçatuba, porque o hospital de Mirandópolis não possuiria hemodiálise. Na última terça (2), o paciente morreu. No atestado de óbito, constam como causas hipoxemia e insuficiência respiratória.
"Cobraremos a omissão do Estado em não ter fornecido leito próximo e por ter assumido o risco de submeter um caso grave a quatro horas de viagem, algo que foi determinante para o 'efeito morte'", pontua o advogado.
A família tenta, agora, ajuda para o translado do corpo, que custaria mais de R$ 5 mil. Marco era morador do Núcleo Geisel e deixa a esposa e dois filhos de 28 e 24 anos.
Em nota, o município diz que, quando o atendimento ao paciente é feito pelo SUS, "o próprio sistema providencia o translado funeral".
A Secretaria de Estado da Saúde, por meio de nota, afirma que o paciente recebeu assistência integral e rebate que a transferência tenha sido determinante para o óbito.
A pasta diz que Marco já estava em estado gravíssimo no Pronto-Socorro de Bauru, com histórico de Covid-19 e outras doenças. E que, diante da complexidade do quadro, houve a transferência para o hospital de Mirandópolis, que é referência para a Covid-19.
"Ele foi mantido na UTI e, apesar de todos os cuidados, não respondeu aos tratamentos devido à gravidade do caso. Portanto, não é correto alegar que a transferência foi fator determinante para o 'efeito morte'. Pelo contrário: a transferência foi viabilizada pela Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (Cross) para auxiliar na assistência", rebate o Estado.