Com as mãos calejadas do trabalho árduo iniciado na colheita de café ainda na infância, a ajudante de serviços gerais da Unesp, em Bauru, Maria Helena Rosa, de 54 anos, segurava cuidadosamente, após folheá-lo, um livro didático, do qual ela não se separou por um minuto sequer, ao longo da entrevista. Nos últimos quatro anos, Maria Helena conciliou o emprego com as aulas do Projeto de Educação de Jovens e Adultos (Peja) e do Cursinho Primeiro de Maio, em uma jornada diária que começava às 6h30 e só terminava por volta das 23h. Mesmo em meio a tanto sacrifício, ela foi classificada em primeira chamada para o curso de biologia da universidade, onde ela ainda trabalha fazendo limpeza.
Filha do lavrador Versol Domingues Rosa e da dona de casa Maria de Oliveira, Maria Helena tinha sete irmãos, que, assim como o seu pai, já faleceram. Natural de Guaimbê, cidade limítrofe a Marília que possui pouco mais de 5 mil habitantes, a ajudante de serviços gerais começou a trabalhar na roça aos 8 anos. Apesar da labuta, caminhava cerca de 2 quilômetros por dia para chegar até a escola.
No início da adolescência, quando Maria Helena se mudou para Bauru com a família em busca de melhores condições de vida, não teve jeito. Ela precisou deixar os estudos para se dedicar integralmente ao trabalho de doméstica na casa de uma família. Depois, nasceram os filhos Edilaine e Wesley, de quem a caloura da Unesp fala com muito orgulho.
Desde então, Maria Helena se voltou para a educação das crianças, motivo pelo qual ela decidiu trabalhar no comércio e, assim, aumentar um pouco mais a renda doméstica. Mas foi em 2011, tão logo a caloura da Unesp começou a trabalhar como ajudante de serviços gerais na instituição, que tudo mudou.
Lá, ela teve a chance de voltar a sonhar. Abaixo, Maria Helena detalha a sua trajetória, marcada por diversos momentos de superação, incluindo o fato de ser a primeira da família a estudar em uma universidade pública. Confira alguns trechos da entrevista:
Jornal da Cidade - A senhora teve uma infância difícil. O que a fez persistir nos estudos?
Maria Helena Rosa - Eu tinha um irmão mais velho com anemia falciforme e precisei substituí-lo na roça quando era bem nova. Mesmo assim, andava cerca de 2 quilômetros por dia para chegar até a escola, porque sempre gostei de estudar. Tanto que consegui terminar o Ensino Fundamental antes de nos mudarmos para Bauru em busca de melhores condições de vida.
JC - Em Bauru a senhora também precisou trabalhar?
Maria Helena - Inicialmente, eu só estudava no Iracema de Castro Amarante, mas não consegui concluir o Ensino Médio, porque arrumei um emprego de doméstica na casa de uma família. Como sonhava em crescer na vida, resolvi trabalhar no comércio. Comecei como auxiliar de serviços gerais em uma padaria. Em 1985, fui para uma sorveteria, onde limpava e atendia às pessoas. A empresa fechou em 2011, quando entrei na Unesp também para ajudar na limpeza. Ao mesmo tempo, fazia suco em uma loja do Bauru Shopping, porém, ficou muito presado e precisei desistir desse último emprego.
JC - Em qual momento a senhora, finalmente, voltou a estudar?
Maria Helena - Em 2015, eu descobri o Peja dentro da Unesp. Trabalhava das 6h30 às 15h30 e as aulas aconteciam todos os dias, das 16h às 17h. As meninas do Cursinho Primeiro de Maio, que também funciona na universidade diariamente, das 19h às 22h45, viviam chamando o pessoal da limpeza para estudar lá e resolvi me inscrever em 2017. Nesse ano, tive de conciliar o trabalho, o Peja e o Primeiro de Maio em uma jornada diária de cerca de 17 horas.
JC - Logo no primeiro ano de cursinho, a senhora já prestou o vestibular da Unesp?
Maria Helena - No primeiro ano, eu prestei arquitetura e urbanismo, mas a concorrência é alta e não consegui. Não fiquei desanimada, não. Só que, em 2018, perdi a minha vaga no cursinho, porque esqueci o meu documento pessoal dentro do carro da minha menina no dia da matrícula. Em 2019, voltei com tudo, persisti em arquitetura e não passei de novo. No ano seguinte, decidi tentar biologia, porque gosto muito das plantas e dos animais.
JC - Qual foi a sua reação quando descobriu que passou?
Maria Helena - Eu trabalho na limpeza do Departamento de Química e, no dia em que a Unesp divulgou a primeira chamada, o chefe do setor me incentivou a ver se havia sido classificada. Não deu outra. Quase caí para trás. Liguei para os meus filhos, que choraram muito com a notícia.
JC - Qual é a importância da educação na sua vida?
Maria Helena - A educação não começa na sala de aula, mas em casa. Os meus pais sempre me orientaram a seguir o caminho certo e a escola me ajudou a alcançar esse feito. Faltam cerca de 20 dias para eu me aposentar, mas pretendo continuar trabalhando e estudando enquanto Deus me der saúde.