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20/10/2020

Eleições municipais: Os impactos da esperada abstenção recorde devido à pandemia

Idosos e mais pobres devem ser mais afetados : naturalmente candidatos que tenham apoio maior desse segmentos perderão mais votos com a abstenção", exemplificou o cientista político Antonio Lavareda.
  • Mariana Schreiber - @marischreiber
  • BBC News Brasil em Brasilia


A pandemia de coronavírus tem afastado mais eleitores das urnas em todo mundo, um cenário que tende se repetir nas eleições municipais brasileiras, marcadas para 15 de novembro, segundo cientistas políticos consultados pela BBC News Brasil.

Idosos e mais pobres devem ser mais afetados

O cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), acredita que a pandemia afetará a disposição do eleitor em votar por duas formas: tanto devido ao temor de ser infectado ao sair de casa, quanto pelo esfriamento da campanha eleitoral, já que neste ano a realização de eventos na rua e de debates pelas redes de televisão foi reduzida como forma de evitar o contágio da doença.

Ele nota que as eleições regionais realizadas no Uruguai em setembro tiveram alta taxa de participação (85% dos eleitores compareceram). Na sua avaliação, porém, o cenário deve ser diferente no Brasil porque aqui a proporção de pessoas infectadas e mortas pela doença é bem maior, o que tende a gerar mais cautela entre os eleitores. Enquanto o Brasil registra uma taxa de 710 óbitos devido ao coronavírus por milhão de habitantes, no Uruguai esse índice é de 12 mortes.

Segundo Lavareda, o impacto de um aumento na abstenção sobre o resultado das eleições dependerá de como esse fenômeno afetará diferentes segmentos da sociedade.

"Se a pandemia afastar das urnas especialmente idosos (grupo de risco da covid-19) e os mais pobres, que historicamente têm taxas maiores de abstenção, naturalmente candidatos que tenham apoio maior desse segmentos perderão mais votos com a abstenção", exemplifica.

É um fenômeno que poderia afetar, por exemplo, o candidato a prefeito de São Paulo Celso Russomano (Republicanos). Segundo pesquisa Ibope do início de outubro, o candidato lidera as pesquisas com 26% de intenção de voto, mas tem seu melhor desempenho entre os que ganham até um salário mínimo. Nesse grupo, 34% responderam que votarão em Russomano. Nesse segmento, porém, apenas 69% dos entrevistados disseram que com certeza comparecerão às urnas, enquanto 31% responderam que, devido ao coronavírus estão na dúvida (22%) ou não irão "de jeito nenhum" (9%).

Monitoramento do Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), mostra que, de 41 eleições realizadas neste ano em diferentes países, 26 (63% do total) registraram aumento na abstenção na comparação com pleitos anteriores.

Na França, onde o voto não é obrigatório, apenas quatro em cada dez eleitores compareceram às urnas para votar nas eleições municipais de junho, levando ao recorde de 60% de abstenção (12 pontos percentuais a mais do que o observado no pleito municipal anterior, em 2014).

Como o voto é obrigatório no Brasil, cientistas políticos não preveem um patamar tão alto de abstenção por aqui. Acreditam, porém, que deve haver aumento na comparação com a disputa eleitoral de 2016, quando mais de 25 milhões de eleitores não compareceram às urnas no primeiro turno (17,6% do total de brasileiros aptos a votar) — o que pode impactar resultados nas disputas mais apertadas.

Naquele ano, houve a terceira alta seguida de abstenção nas eleições municipais, fenômeno que indica um aumento do "desalento" dos eleitores, ou seja, uma menor confiança na política e no valor do seu voto, afirmam estudiosos. Para o cientista político Ivan Filipe Fernandes, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), essa tendência deve ser agravada pela pandemia.
 

"Neste ano, teremos pessoas com medo de contrair covid-19 e fazendo aquele cálculo de se vale a pena sair de casa considerando o efeito pequeno do seu voto individual no resultado da eleição. Somando isso com um processo em que as pessoas já estão desalentadas com a política, a minha expectativa é que aumente muito o não comparecimento. Acredito que teremos abstenção recorde neste ano", afirma o professor, autor de estudos sobre abstenção eleitoral.

Para Fernandes, o aumento da abstenção pode impactar o desfecho de eleições que estiverem mais acirradas, como o caso de São Paulo. "Já em Belo Horizonte, onde as pesquisas apontam que o atual prefeito (Alexandre Kalil, do PSD) tem grande vantagem e deve ser eleito em primeiro turno, uma abstenção maior não deve afetar o resultado", ressalta.
 

Já na média geral dos entrevistados em São Paulo, 75% garantiram que votarão no dia 15 de novembro.

"Este ano, vamos ver aqui algo parecido com a eleição dos Estados Unidos (onde o voto não é obrigatório). Não basta o candidato pedir voto, tem que convencer o eleitor a sair pra votar", nota Lavareda.

Em outras cidades pesquisadas pelo Ibope, a disposição em votar mesmo na pandemia é ainda menor, caso de Salvador, onde 69% pretendem ir às urnas com certeza, e Rio de Janeiro (71%). Por outro lado, esse percentual sobe em capitais como Belém (83%) e Vitória (84%).

Aplicativo do TSE deixará mais simples justificar o voto

O cientista político Julian Borba, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz que uma abstenção alta "pode acarretar problemas de representatividade do eleitorado no sistema político", na medida em que certos segmentos tendem a ser mais afetados. O eleitor, ele explica, faz um cálculo entre o "custo" de comparecer à urna e o peso do seu voto. Com isso, em geral são os mais pobres, menos escolarizados e moradores de áreas menos urbanas que se abstêm em maior proporção.

"E esse problema de alteração da representatividade ocorre mais fortemente na eleição vereadores", nota o professor, já que os candidatos ao Poder Legislativos costumam ter uma base eleitoral mais segmentada.

Para Borba, enquanto o risco para a saúde causado pela pandemia vai elevar o "custo" de comparecer à urna nesta eleição, a possibilidade de justificar a ausência por aplicativo de celular, por outro lado, reduzirá o "custo" de faltar ao pleito e justificar depois.

Pela primeira vez neste ano, o aplicativo e-Título, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poderá ser usado pelos eleitores para justificar a falta até 60 dias depois da eleição, com objetivo de reduzir aglomerações nas sessões eleitorais onde tradicionalmente isso é feito. Segundo a Corte, a tecnologia de geolocalização impedirá que o eleitor justifique sua ausência mesmo estando na sua cidade de votação.

"Não comparecer já é muito pouco custoso, pois a multa para quem deixa de votar e não justifica é de apenas R$ 3,50. Agora, o custo de abstenção está sendo praticamente zerando, já que basta se cadastrar (no aplicativo), justificar meu voto e está tudo ok. Então, pode se esperar também um efeito negativo nesse sentido", prevê o professor da UFSC.

Neste ano, porém, outro fato pode ter o efeito de contribuir para um número menor de abstenção, mesmo que mais gente falte ao pleito. Borba lembra que esse dado costuma ser inflado por eleitores que já morreram, mas que continuam no cadastro da Justiça Eleitoral. Nos últimos anos, no entanto, o TSE está gradativamente realizando o recadastramento biométrico dos eleitores, o que deve reduzir esse efeito de brasileiros que constam como eleitores mesmo após a morte.

 

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