A Secretaria Municipal de Saúde reconhece que Bauru atravessa, hoje, o momento mais grave de toda a pandemia da Covid-19, que, de acordo com a pasta, já concentra aproximadamente 60% de todos os atendimentos realizados na cidade. A situação é mais crítica nas unidades de urgência e emergência, que incluem as UPAs e o mini-hospital formado pelo Posto Avançado Covid (PAC) e Pronto-Socorro Central (PSC), onde dezenas de pacientes, todos os dias, aguardam a chance de conseguir um leito de hospital, que oferece estrutura mais completa para que possam batalhar por suas vidas.
O fato de a prefeitura, depois de quase seis meses de gestão, ter publicado o primeiro decreto por iniciativa própria para restringir as atividades na cidade dá a dimensão do momento que Bauru vivencia.
Fontes ligadas ao Palácio das Cerejeiras informaram que, em reunião do último dia 15, que antecedeu a publicação do decreto, membros do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 de Bauru descreveram o momento como desesperador e caótico.
Há semanas, a secretaria não consegue mais dar vazão ao grande volume de casos graves de Covid que chega às unidades de urgência. Nesta sexta-feira (17), eram 23 moradores aguardando transferência para leitos de UTI ou enfermaria. Ao todo, 67 pacientes, incluindo os que possuem outras enfermidades, estavam nesta condição.
DRAMA
A situação dramática, em que pessoas com Covid permaneciam no mesmo ambiente de outros doentes, fez com que a secretaria fechasse a UPA do Geisel para atendimento de pacientes infectados pelo novo coronavírus (leia mais na página ao lado). A mesma medida já havia sido adotada no início do ano em relação ao PSC.
"O PAC/PSC conta com 13 leitos com toda estrutura, inclusive com condição de fazer intubação. Mas, no total, são aproximadamente 36 leitos. E temos mais 35 na UPA Geisel, sendo uma parte em condição de intubar os pacientes mais graves. Mas não temos, por exemplo, hemodiálise e toda a estrutura de um hospital", frisa o secretário Orlando Costa Dias.
Também estão mobilizadas para atender exclusivamente casos de Covid-19 as UBSs do Geisel, Vila Falcão e Mary Dota. "Seguramente, é a situação mais grave que a gente vive desde o início da pandemia. Em abril deste ano, tivemos o mês mais letal, com 176 mortes por Covid. Em junho, infelizmente, podemos chegar próximo ou até superar esta marca", projeta, mesmo com a aceleração do processo de vacinação a partir deste mês.
Até esta sexta-feira, já tinham sido contabilizadas 99 mortes e 5.242 casos em junho - o recorde de casos até o momento, de 5.428 registros, foi alcançado em maio.
TRANSMISSÃO
Conforme o JC trouxe ontem, também preocupa o fato de o índice de retransmissão (Rt) de Bauru estar elevado, em 1,35, como consequência da grande quantidade de pessoas infectadas neste momento. Com esta taxa, considerada hoje a sexta maior do Estado, significa que cada 100 moradores tem potencial para transmitir a doença para outros 135, numa escala que pode crescer em progressão geométrica.
Além disso, o índice de letalidade da Covid também preocupa, já que, de cada 100 infectados, dois morrem. "Todos estes números reforçam a situação grave em que estamos e que precisávamos adotar medidas para restringir o deslocamento das pessoas e coibir aglomerações. Estávamos no limite, com risco de faltar bico de oxigênio na rede de gases das unidades de urgência do município, ou seja, risco de não haver acesso ao oxigênio para todos os pacientes ao mesmo tempo", revela Dias.
Diante da lotação há tempos das unidades referenciadas para o novo coronavírus, a Prefeitura de Bauru iniciou tratativas com dirigentes do Hospital Estadual (HE) para implantar dez novos leitos de UTI Covid no local, em meio à alta de casos, mortes e internações de moradores com a doença. Segundo o secretário municipal de Saúde, Orlando Costa Dias, a negociação está sendo feita diretamente pela prefeita Suéllen Rosim.
Procurada pelo JC desde quarta-feira (16), a Secretaria de Estado da Saúde não destacou porta-voz para comentar o assunto e não forneceu qualquer informação sobre conversações sendo conduzidas neste sentido. Em nota padrão enviada no início da noite desta sexta (18), informou apenas que ampliou a quantidade de leitos e repassou recursos para a região, além de criticar, mais uma vez, a gestão municipal. "A principal maneira de evitar que mais pessoas adoeçam e precisem de hospitalização é o cumprimento dos protocolos sanitários, que frequentemente são desrespeitados pela gestão municipal, que promove aglomerações e subestima medidas de controle de circulação", afirma a nota.
DIÁRIA MENOR
Sem projetar prazos para o início da operação destas novas vagas, Orlando Costa Dias informa que a prefeitura dispõe de recursos para custear mais estes dez leitos, que teriam diária menor do que os mantidos no hospital de campanha instalado no Hospital das Clínicas (HC).
"O HE, por ser do Estado, tem um custeio menor em relação ao de um hospital de campanha. Calculamos que a diária no HE gire em torno de R$ 1 mil, enquanto no HC fica em torno de R$ 2,2 mil. Além disso, há a vantagem de, no HE, já termos tomografia, hemodiálise, ressonância, toda a estrutura pronta" detalha, salientando que, se este projeto der certo, a prefeitura passaria a custear 20 leitos de UTI.
A medida visa dar fluxo à grande demanda de pacientes por internação hospitalar, que ficam aguardando vaga nas unidades de urgência do município. Há mais de 30 dias, as UTIs Covid dos hospitais públicos de Bauru estão com 100% de ocupação ou acima deste patamar. É uma situação que vem se repetindo na maioria dos dias desde o início de fevereiro deste ano.
O dia em que um paciente precisou ficar com suporte de oxigênio dentro de uma ambulância, aguardando a liberação de leito com acesso a este recurso de ventilação na rede de urgência, foi decisivo para que a UPA do Geisel fosse fechada, a partir da última quarta-feira (16), para se voltar ao atendimento de pacientes com Covid-19.
Conforme conta o médico Guilherme Trípoli, diretor do Samu, o paciente, um jovem, sofreu uma crise convulsiva e ficou pelo menos 50 minutos em suporte de oxigênio na ambulância, até conseguir ser recebido na UPA do Ipiranga.
Ele afirma que esta foi a única vez em que esse tipo de espera ocorreu, mas que o fato foi decisivo para estabelecer que a situação havia chegado ao limite. "Falando como profissional médico, a semana que passou foi a pior de todas e precisávamos, de fato, ter mais um atendimento referenciado", frisa, salientando que, antes da pandemia, o Samu atendia cerca de 1,5 mil pessoas por mês em Bauru e, agora, o número chega a 4 mil. "Ou seja, a demanda mais que dobrou", reforça.
Conforme o JC apurou, na última semana, dois idosos de uma mesma família chegaram a ficar intubados na UPA Bela Vista, aguardando vagas em hospitais. E, devido ao colapso da rede hospitalar, pacientes voltaram a ser transferidos para UTIs de outras cidades, tal como ocorreu por diversas vezes durante o mês de fevereiro. "Assim como o HE, o HC lotou nesta última semana e voltamos a fazer transporte de longa distância, para outras cidades", comenta.
DESESPERO
Trípoli conta que, em meio à elevada carga de trabalho, os 130 profissionais do Samu têm se apoiado uns aos outros, até porque, além de dias corridos, eles também lidam constantemente com muito sofrimento - dos doentes e seus familiares. O diretor, que também faz plantões como médico do serviço, lembra de uma ocasião específica, em que presenciou o desespero de uma filha com a morte da mãe por Covid-19 no PAC/PSC.
"A paciente era uma idosa e evoluiu da pior forma possível. Quando fui conversar com a filha, que estava aos prantos, ela me contou que tinha se casado e dado uma festa clandestina, com mais de 100 pessoas em uma chácara, onde a mãe acabou sendo infectada. Provavelmente, será uma dor que esta filha vai carregar para o resto da vida", lamenta.
O diretor aproveita a recordação desta história para destacar a importância de manter o distanciamento social, bem como fazer uso de máscara. Com o avanço do processo de vacinação, que chegou à faixa de 45 anos neste sábado (19), ele reitera o pedido de cautela e de respeito aos protocolos de segurança, já que, em um futuro não muito distante, a pandemia tende a ficar mais controlada. "Não é o momento de fazer festas, nem mesmo aglomerações familiares, com cinco, dez pessoas. A atitude de manter o distanciamento, usar máscara e tomar a vacina é uma atitude de amor consigo e com o próximo", completa.
O JC apurou com fontes ligadas à prefeitura que, na reunião realizada no último dia 15, alguns membros do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 de Bauru chegaram a sugerir a interrupção de todas as atividades na cidade aos finais de semana, inclusive de supermercados, mantendo abertos somente serviços considerados extremamente essenciais, como postos de combustível, farmácias e unidades de saúde. Se fosse acatada, seria a medida mais rigorosa adotada pela prefeitura em toda a pandemia.
Pela proposta, por um período de 15 dias, os estabelecimentos funcionariam de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, com fechamento das portas aos finais de semana. A medida, apesar de dura, foi apontada por alguns membros como estratégica para conseguir baixar as taxas de ocupação dos hospitais e da rede de urgência municipal, diante de um cenário de insuficiência de leitos.
A prefeitura, contudo, optou por um decreto menos rigoroso, com medidas como a redução da capacidade dos locais para 30%. restrição da venda de bebida alcoólica e redução do horário limite para fechamento de bares e restaurantes.
Ainda de acordo com apuração da reportagem, diante da possibilidade de casos, mortes e internações não serem controladas até o fim do mês, essas regras atuais, que começaram a valer nesta sexta (18) e vão até o dia 30, poderão ser estendidas até o final de julho.