Após pouco mais de um ano de pandemia, já é claro que o vírus da Covid-19 não afeta apenas o sistema respiratório das pessoas infectadas, sendo apontado como responsável por danos em diversos órgãos, inclusive no cérebro. Um estudo feito pelo Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo (USP), em fevereiro deste ano, revelou que, mesmo após o fim da infecção, pacientes podem apresentar algum tipo de sintoma cognitivo, como perda de memória, dificuldade de concentração e até depressão. Além disso, pesquisas internacionais mostraram que o coronavírus também pode aumentar as chances de lesões graves no órgão, como um Acidente Vascular Cerebral (AVC), principalmente entre pessoas com menos de 60 anos.
De acordo com o médico Marcelo Valadares, que é neurocirurgião do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Hospital Albert Einstein, os sintomas cognitivos 'leves' incluem dor de cabeça, fadiga, dificuldade de concentração e de memória, fraqueza, tontura, zumbido no ouvido e visão embaçada. Já os sintomas graves englobam depressão e ansiedade. "Chama a atenção que muitas pessoas que têm esse tipo de alteração não tiveram um quadro grave da doença. Às vezes, nem precisaram ser internadas", alerta.
Por outro lado, o médico avalia que, por enquanto, não existe comprovação de que esses sintomas são permanentes. "A maior parte dos pacientes se recupera totalmente após seis meses da infecção. Porém, como tudo ainda é muito recente e a maioria dos casos está sendo acompanhada por médicos há menos de um ano, não temos como afirmar se os quadros são irreversíveis", pondera.
LESÕES GRAVES
Porém, Marcelo Valadares demonstra maior preocupação em relação aos casos em que ocorrem lesões graves no cérebro do paciente, como AVC. "Estudos internacionais relacionam coágulos em artérias à infecção pela Covid-19. Principalmente entre os pacientes com menos de 60 anos positivados, nota-se maior incidência de AVC do que entre os que não tiveram coronavírus. Ou seja, a doença aumenta a chance desse tipo de lesão neste público", ressalta.
A explicação para este fato, segundo o médico, baseia-se na forma como o vírus infecta o corpo humano. "Ele sequestra as células que têm a proteína Ace (enzima conversora da angiotensina) que é encontrada no corpo todo, como na via aérea, no pulmão, no intestino e nos vasos sanguíneos. Então, ao sequestrar essas células, pode causar trombose, AVC, isquemia mesentérica, ativar uma resposta inflamatória... Por isso, é importante ficar claro que não é um vírus simples e jamais poderá ser considerada somente como uma doença de via aérea", complementa Valadares.
Diante disso, o neurocirurgião orienta a todos os pacientes que tiverem algum sintoma cognitivo após a Covid-19 que procurem atendimento médico. "Alguns podem passar com o tempo, mas outros só podem ser curados caso um profissional esteja acompanhando", finaliza.
A anosmia, que é a perda de olfato, ocorre quando há lesões nos nervos e bulbos olfativos, que ficam acima da nasofaringe. De acordo com o neurocirurgião Marcelo Valadares, um estudo europeu feito em 2020 apontou que este sintoma foi um dos mais comuns em 87% dos pacientes com coronavírus, sendo que, na maioria deles, a capacidade olfativa retorna em até seis meses. Porém, a pesquisa apontou que, em cerca de 5% dos casos, a perda pode ser permanente. "Existem alguns procedimentos para incentivar os nervos que estão lesados, mas não há nenhum método que garanta o retorno por enquanto", explica.