Quando era adolescente, na década de 1980, o que a bauruense Adriana Benguela mais gostava de fazer era passear de carro com sua tia Yvonne Fantini pelas ruas da cidade para observar, admirada, as estruturas de várias casas e prédios. Ela ficava fascinada pelo conjunto de curvas e linhas que uma porção de cimento e tijolos poderia formar.
Influenciada por essa paixão da juventude, Adriana se formou em Arquitetura na Unesp de Bauru e se tornou um dos grandes nomes da área no País. Hoje, aos 49 anos, já pôde desenhar incontáveis construções e proporcionar para as pessoas a mesma sensação que sentia na juventude quando observava os edifícios da sua cidade natal. E foi além: aperfeiçoou o dom de conectar as pessoas às suas culturas e ao ambiente que as cerca por meio de seus projetos arquitetônicos, construídos em várias partes do Brasil e bastante premiados.
Antes de despontar nacionalmente na arquitetura, Adriana cresceu nos Altos da Cidade, onde morou até os 23 anos com o pai, Oswaldo Benguela (já falecido), e a mãe, Sônia Benguela, que ainda reside em Bauru.
Atualmente, Adriana mora em São Paulo com o filho Francisco Benguela Bianchini, de 10 anos, e é sócia, desde 2004, do escritório de arquitetura Rosenbaum, conhecido nacionalmente por ter feito os projetos de residências para o quadro Lar Doce Lar, do Caldeirão do Huck, durante sete anos, e por ser considerado um dos mais importantes do País.
Ela e seu sócio, Marcelo Rosenbaum, ainda desenvolveram o Instituto 'A Gente Transforma', que toca projetos sociais no Brasil e visa exatamente conectar comunidades ao espaço e à cultura que os cerca por meio da arquitetura e do design. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Jornal da Cidade - Como começou sua história com a arquitetura?
Adriana Benguela - Gostava de passear de carro com minha tia Yvonne para ver a estrutura das casas e edifícios de Bauru, principalmente a arquitetura modernista e as obras do arquiteto Fernando Pinho. Claro que, na época, não sabia o autor delas e o que era modernismo. Mas, essas obras me inspiraram a escolher minha carreira. Até hoje, quando volto para Bauru, passo para dar uma olhada nelas.
JC - E a escolha da faculdade?
Adriana - Sempre soube que queria algo relacionado a artes. Com 18 anos, comecei Arquitetura na Unesp. Ao mesmo tempo, fiz Direito na ITE, porque minha família incentivava bastante. Mas era muito óbvio pra mim que queria Arquitetura. Então, tranquei Direito após dois meses.
JC - Como começou a trabalhar com o Marcelo Rosembaum?
Adriana - Me formei em 1995 e fui para Israel fazer estágio. Voltei determinada a morar em São Paulo, já que o mercado no Interior era muito mais restrito. Me mudei em 1997. Após um período fazendo freelances, conheci o Marcelo em uma exposição de móveis dele, em 1998, quando me apresentei e disse que queria trabalhar com ele. Deu certo. Em 2004, nos tornamos sócios e trabalhamos juntos até hoje. Nossos desejos com o escritório de arquitetura e o Instituto 'A Gente Transforma' são muito alinhados.
JC - Fale um pouquinho mais do instituto...
Adriana - O 'A Gente Transforma' é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2016, que exibe e potencializa a sabedoria e o alto nível de desenvolvimento humano de comunidades que permanecem à margem da sociedade. Surgiu da nossa necessidade em enfrentar o desrespeito à natureza, a visão depreciativa que se tem dos povos indígenas, negros e sertanejos, e o desconhecimento de sua sabedoria ancestral. Desenvolve projetos que criam oportunidades de geração de renda e reconhecimento de comunidades, através do design e da arquitetura, a partir da visão integrada de saberes de ontem e hoje.
JC - Consegue citar um projeto especial que trabalhou?
Adriana - Foi muito importante para a nossa carreira o projeto do instituto que fizemos em parceria com a Fundação Bradesco, iniciado em 2016 e inaugurado em 2018. Desenvolvemos a escola internato de Canuanã, no interior do Tocantins, onde estudam 1.200 crianças. Lá, fizemos uma imersão com o corpo pedagógico e com os estudantes para poder proporcionar para eles, com a arquitetura e o design, a sensação de morar em uma moradia, e não em alojamento.
JC - E qual o resultado?
Adriana - Foi uma estrutura de madeira laminada colada, considerada o maior edifício de madeira da América Latina. As paredes são de tijolos de solo-cimento, que foram fabricados na obra com o solo da própria fazenda. Ou seja, usamos a tecnologia para promover a conexão das crianças com seus ancestrais e sua cultura local, usando o barro, por exemplo, para fazer algo novo. Além disso, é um prédio muito eficiente, capaz de amenizar o clima quente e também proteger das chuvas frequentes. Esse projeto nos rendeu vários prêmios de arquitetura no Brasil e ainda no Exterior, como o Prêmio Internacional Riba, que é muito importante. Nunca vou esquecer o dia que entregamos a morada para as crianças.
JC - Você gosta bastante do lado social?
Adriana - Vejo a arquitetura e o design como ferramentas de transformação social. Também acredito que são recursos para conectar as pessoas que vão usufruir dessas estruturas a esse ambiente em que elas estiverem vivendo e à cultura local delas.
JC - Tem algo que ainda queira fazer?
Adriana - Quero desenvolver algum projeto importante para a América Latina, e continuar desenvolvendo projetos no que chamamos de Brasil Profundo, que são comunidades carentes em locais afastados do Sudeste. Também gostaria de fazer mestrado.
JC - E em Bauru?
Adriana - Adoraria ter a oportunidade de desenvolver algo na cidade. Tenho um carinho muito grande por Bauru, pela Unesp e pelo professor Adalberto Retto, que foi uma pessoa que me orientou muito na faculdade e foi até coorientador no meu projeto de fim de curso.