Com sua voz mansa e gestos contidos, o fotógrafo Antonio Quioshi Goto, 70 anos, nunca foi adepto de estratégias ou discursos pensados para impressionar. Porém, com câmera nas mãos e olhar afiado, deixou um legado profissional de mais de 50 anos que continua impressionando até hoje.
Levado à fotografia ainda pré-adolescente por um anseio do pai, aprendeu o ofício e registrou, como fotojornalista, muitas das histórias mais importantes de Bauru ao longo das últimas décadas. Querido e respeitado por profissionais da área, Quioshi atravessou o tempo, do retoque que fazia com uma caneta alemã nos negativos até o Photoshop dos dias atuais. Foi das câmeras lambe-lambe até as máquinas digitais que fazem dez fotos por segundo.
Nesta entrevista, Quioshi, que trabalhou por 43 anos como fotojornalista no Jornal da Cidade, fala um pouco sobre os desafios, as dificuldades, as coberturas impactantes - como o dia em que a avenida Nações Unidas explodiu - e como foi se aposentar depois de uma intensa e produtiva trajetória profissional. Leia, a seguir, os principais trechos.
JC - Onde você nasceu? Conte um pouco sobre como foi sua infância.
Quioshi Goto - Nasci em Rinópolis, mas ainda era bebê quando fui morar em Junqueirópolis, na Alta Paulista, onde vivi minha infância. Aos 16 anos, mudei para Bauru. Mas, antes, com 12 anos, fui para São Paulo, sozinho, onde comecei na profissão. Meu pai gostava de fotografia e tinha um amigo, o Mitsuo, que tinha uma loja de foto lá. E esse amigo tinha três filhos pequenos. Eu acabei virando babá das crianças por dois anos.
JC - E como foi a imersão no mundo da fotografia?
Quioshi - Naquela época, era diferente. O negativo era duro, numa chapa de vidro. A máquina fotográfica era grandona, com aquele pano preto que colocava em cima da cabeça, conhecida como lambe-lambe. Os fotógrafos não iam aos casamentos. Eram os noivos, padrinhos e familiares que iam até o estúdio para tirar foto. Aos poucos, fui aprendendo. Cheguei a voltar em duas ocasiões para Junqueirópolis e, na segunda, meus pais decidiram se mudar para Bauru.
JC - E você veio junto?
Quioshi - Sim. Éramos de uma família de tintureiros e meu pai queria morar em uma cidade maior. Ele abriu uma filial aqui e, conforme foi formando clientela, todos vieram para cá. Morávamos os sete irmãos, pai e mãe em uma casinha pequena na Bela Vista. Eu resolvi procurar um outro serviço e comecei a trabalhar em uma loja de fotografia na esquina da Rodrigues Alves com a Rio Branco, que era do Rui Bijos, pai do cantor Mariano (da dupla com Munhoz). Ao mesmo tempo, fazia Tiro de Guerra e, à noite, estudava no Ernesto Monte.
JC - Nessa época você já estava fotografando?
Quioshi - Eu fazia retoque nos negativos para corrigir imperfeições. Era um lápis alemão e a gente usava uma lâmpada para enxergar melhor. Era o Photoshop daquela época. E também comecei a fotografar casamentos, bailes de Carnaval nos clubes. Eu já tinha meus equipamentos e resolvi abrir uma loja com dois amigos, na Antônio Alves. Mas fechamos depois de um ano e voltei a São Paulo para trabalhar com o Mitsuo em um gráfica que fazia fotolitos para grandes painéis. Depois de pouco mais de um ano, meu pai ficou doente e voltei para Bauru. Ele curou-se e fui trabalhar com o Toninho, na Foto Líder, na Azarias Leite.
JC - E como se deu a migração para o fotojornalismo?
Quioshi - Fiquei quase dois anos com o Toninho. Nos fins de semana, fazia casamento e, durante a semana, trabalhava no laboratório, fazendo ampliações e montando álbuns. E o Jair Aceituno e o Rui Bijos, que eram fotógrafos do Jornal da Cidade, até então localizado na Virgílio Malta, sempre passavam em frente à loja. Foi quando despertou minha curiosidade. Surgiu uma vaga no jornal e eles me convidaram. Um mês depois de o JC reinaugurar, na rua Xingu, em 1972, comecei a trabalhar. Em 1975, por meio do sindicato, me tornei jornalista.
JC - E quais foram os principais desafios desta transição?
Quioshi - Eu observava muito as fotos dos jornais quando morei em São Paulo. Naquela época, não tinha Internet para pesquisar e aprender alguma coisa. A gente ia muito por intuição, buscava inovar, sair da mesmice, sempre com o objetivo de transmitir informação por meio da imagem. E não existia câmera digital. Era um filme de 36 poses para conseguir as imagens certas.
JC - Quais as coberturas mais marcantes?
Quioshi - Tem várias, mas a explosão da Nações Unidas, em 1976, é uma delas. Estava almoçando na minha sogra, pertinho, e ouvi o estrondo. Peguei meus equipamentos e saí correndo. O presidente Geisel estava em Bauru e tinha passado por lá antes. Logo, surgiu a hipótese de atentado, mas depois descobriram que foi um vazamento de combustível. Fiz 72 fotos e, no mesmo dia, o SNI (Serviço Nacional de Informação) confiscou todos os negativos para investigação. Nunca mais devolveram. Outra cobertura foi a queda de um avião da TAM sobre um carro perto do Aeroclube, em 1990. Uma mulher e o filho dela morreram, além do piloto.
JC - Depois de tantos anos de dedicação, como foi encerrar seu ciclo no fotojornalismo?
Quioshi - Tudo que conquistei foi por meio da fotografia. Quando entrei no Jornal da Cidade, namorava a Suemi, minha esposa. Quando saí, já estava casado, com duas filhas e um neto (o segundo neto nasceu depois). Já tinha me aposentado em 2010, mas só saí do jornal em 2018. Foram 43 anos no Jornal da Cidade e guardo muitas lembranças boas. Foram anos de muito trabalho, então, quando parei definitivamente, demorei para acostumar. Tive que aprender a ter uma nova rotina. Hoje, meus dias são preenchidos na companhia da família.